BP14 - InterPLAST

64 RECICLAGEM a degradar-se”, acrescenta a investigadora. “Descobrimos agora que as enzimas da saliva da traça-da-cera realizam este passo crucial: oxidam o plástico. Assim, permitem superar o obstáculo da degradação do material e acelerar a decomposição domesmo”, acrescenta. O polietileno é um dos plásticos mais resistentes e utilizados. Juntamente com o polipropileno e o poliestireno, constituem 70% da produção total de plásticos. A poluição através de plásticos representa uma ameaça para a saúde e para o ambiente do planeta, pelo que é urgente encontrar soluções para fazer frente aos resíduos plásticos. Uma das áreas de investigação mais promissoras e com mais potencial é a degradação de plásticos utilizando meios biológicos. Esse processo é conhecido como biodegradação e está associado a microrganismos como bactérias e fungos. No entanto, até à data, apenas se conhecem alguns microrganismos que conseguem destruir os resistentes polímeros plásticos do polietileno. E, além disso, na maioria dos casos, é necessário um pré-tratamento agressivo que assegure a oxidação e permita assim que os microrganismos tenham algum efeito (ainda que lento) sobre o plástico. TRAÇAS “COMEDORAS DE PLÁSTICO” Há poucos anos iniciou-se um novo campo de investigação: observou-se que alguns insetos do género dos lepidópteros e dos coleópteros eram capazes de degradar o polietileno e o poliestireno. “No nosso laboratório, descobrimos o inseto que parece ser o mais rápido de todos: as larvas do lepidóptero Galleria mellonella, conhecido como traça-da-cera”, explica Bertocchini. “Estas larvas foramcapazes de oxidar e decompor os polímeros do plástico em muito pouco tempo (após apenas uma hora de exposição)”. “Nos últimos anos, tentou-se averiguar como estes insetos conseguem fazer tal coisa. Muitos estudos centraram- -se nos microrganismos que vivem no sistema digestivo destas traças, partindo do pressuposto de que as traças podem usar o plástico como alimento e que a degradação seria resultado da sua atividade metabólica e do processo digestivo”, recorda a investigadora. “Mas este pressuposto é muito questionável, pelo que a nossa investigação se centrou desde o início na cavidade bucal das traças”, refere. “Observámos atentamente o comportamento da traça-da-cera na presença de polietileno e descobrimos que as enzimas presentes na saliva da traça (ou seja, o líquido recolhido da boca do inseto) são capazes de degradar o polietileno”, alega Bertocchini. “O polímero em contacto com a saliva oxida e despolimeriza em poucas horas. Identificámos resíduos degradados que se formam na presença da saliva das mesmas”, explica. Além disso, esta equipa de investigadores analisou a saliva com microscopia eletrónica e observou um elevado teor de proteínas. “Na saliva, isolámos duas enzimas que podem reproduzir a oxidação provocada pelo conjunto da saliva”, indica a investigadora. Estas duas proteínas, batizadas como Demetra e Ceres, pertencem à família das enzimas fenoloxidase. “Descobrimos que a enzima Demetra demonstrava um efeito importante sobre o polietileno, deixando marcas (pequenas crateras) visíveis a olho nu na superfície do plástico. Este efeito também foi confirmado pelo aparecimento de produtos da degradação formados após a exposição do polietileno a esta enzima. A enzima Ceres oxida o polímero, embora sem deixar marcas visíveis, sugerindo que as duas enzimas têm um efeito diferente sobre o polietileno”, resume. O FUNCIONAMENTO DAS ENZIMAS FENOLOXIDASE Os fenóis são moléculas que as plantas usam como defesa contra potenciais inimigos, como por exemplo, as larvas de insetos. Portanto, os insetos poderiam produzir enzimas fenoloxidase como uma via para oxidar os fenóis das plantas e, assim, neutralizá-los, o que lhes permitiria alimentar-se das plantas sem perigo. Os fenóis também estão presentes emmuitos aditivos plásticos, o que os poderia tornar alvos para estas enzimas e criar as condições necessárias para a oxidação e despolimerização do plástico. “Até à data, isto é apenas uma especulação e serão necessárias mais experiências para aprofundar o conhecimento sobre o mecanismo de ação enzimática”, alertam os investigadores. Outra questão ainda mais interessante é averiguar como os insetos da cera adquiriram esta capacidade. Os investigadores presumem que poderá dever-se a um processo evolutivo. "As traças-da-cera alimentam-se da cera das colmeias e de pólen de espécies de plantas muito diversas. Tendo em consideração que a cera das colmeias está cheia de fenóis, este tipo de enzimas seria muito útil para as traças. Indiretamente, isto explicaria porque as traças-da-cera conseguem decompor o polietileno. No entanto, até ao momento, esta teoria é apenas uma especulação e serão necessários mais estudos que combinem a biologia dos insetos com a biotecnologia. n As enzimas da saliva da traça-da-cera oxidam o plástico, acelerando a sua decomposição

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