Folhadela Rebelo, Lda.
Informação profissional para a indústria de plásticos portuguesa
Projeto Ellipse

Ácidos gordos voláteis para produção de bioplásticos mediante aproveitamento de resíduos por fermentação acidogénica

Lidia Garrote, Centro Tecnológico CARTIF, Boecillo (Valladolid, Espanha)

30/04/2025
A maioria dos plásticos que se utilizam atualmente no mundo provêm de fontes não renováveis e não biodegradáveis. Num esforço para reduzir o impacto dos plásticos no ambiente, há décadas que se estudam métodos alternativos de produção e gestão de resíduos. Vários microrganismos têm a capacidade de produzir plásticos de forma natural, utilizando diferentes substratos, que são biodegradáveis e biocompatíveis em determinadas condições. Durante os últimos anos, a fermentação acidogénica para a produção de ácidos gordos voláteis (AGV) foi identificada como uma abordagem prometedora para utilizar os resíduos orgânicos como um recurso valioso, já que podem ser utilizados como precursores dos biopolímeros no setor dos bioplásticos, constituindo uma matéria-prima adequada para a produção de polihidroxialcanoatos (PHA).

Obtenção de AGV – Projeto Ellipse

Os ácidos gordos voláteis (AGV) têm um elevado potencial de aplicações, desde a fonte de carbono para o processo de eliminação biológica de nutrientes até à utilização como recurso bioenergético para a geração de hidrogénio e biocombustíveis líquidos [1]. Os fluxos ricos em AGV produzidos a partir da fermentação de resíduos orgânicos também podem ser utilizados como precursores dos biopolímeros no setor dos bioplásticos, constituindo uma matéria-prima adequada para a produção de polihidroxialcanoatos (PHA) [2].

Para fazer frente ao crescente problema da geração de biorresíduos, e ao aumento da procura de matérias-primas de origem biológica, o projeto Ellipse trabalha no setor da biotecnologia com o objetivo de valorizar fluxos heterogéneos de resíduos gerados em quantidades significativas na Europa, os resíduos de matadouro (conteúdos da pança ou do ruminadouro) e as lamas de papel e polpa, para produzir PHA rentáveis para aplicações agrícolas e de cuidados pessoais, através do coprocessamento com outros resíduos orgânicos como as lamas da indústria de laticínios e o glicerol da indústria do biodiesel, bem como a recuperação de nutrientes para produzir fertilizantes de base biológica. A integração destes fluxos de resíduos como matérias-primas de biorrefinaria permitirá reduzir os volumes de resíduos depositados em aterros, abrir novas vias para a produção de produtos químicos e bioplásticos e, ao mesmo tempo, criar receitas adicionais para as indústrias relacionadas que as geram, com as vantagens adicionais da reciclagem da água, a diminuição da degradação do solo, a contaminação das águas subterrâneas e as emissões de metano.

O PHA pertence a uma família de polímeros de origem 100% biológica com propriedades de biodegradabilidade versáteis na maioria dos ambientes, recicláveis e que apresentam uma vasta gama de propriedades físicas e mecânicas em função da sua composição química, desde o poli(3-hidroxibutirato-co- 3-hidroxivalerato) (PHBV) muito flexível até o polihidroxibutirato (PHB) rígido, apresentando propriedades semelhantes a alguns materiais de origem fóssil como o polipropileno (PP) e o polietileno (PE), bem como melhores propriedades de barreira contra gases e líquidos que outros bioplásticos como o ácido polilático (PLA), sendo uma boa alternativa biodegradável e compostável em aplicações agrícolas e de cuidados pessoais [3].

Figura 1. Ellipse. Diagrama resumo do processo
Figura 1. Ellipse. Diagrama resumo do processo.

Um dos objetivos é maximizar a produção de AGV derivados da fermentação acidogénica e, para tal, pretende-se otimizar o processo através de tecnologias inovadoras, como a utilização de um biorreator anaeróbio de membrana (AnMBR). O projeto contribui para a economia circular ao promover a sustentabilidade e o ‘resíduo zero’, demonstrando a viabilidade técnica da recuperação de nutrientes da corrente residual (digestato) através de um processo híbrido autótrofo-heterótrofo de cultivo de microalgas que, por sua vez, gera a produção de um biofertilizante.

O projeto conta com cinco fases que abordam o pré-tratamento de resíduos e a obtenção de AGV, a produção de PHA, as aplicações possíveis dos bioplásticos, o estudo de análise do ciclo de vida e a exploração dos resultados.

Figura 2. Fases do projeto Ellipse
Figura 2. Fases do projeto Ellipse

Fábricas piloto do projeto Ellipse

Na fábrica piloto 1 será realizado o pré-tratamento e aproveitamento de lamas provenientes da transformação de resíduos de matadouro para a produção de embalagens rígidas e coberturas plásticas. Será levada a cabo uma codigestão de matérias-primas com o objetivo de garantir as condições ideais para produzir AGV.

Figura 3. Esquema da metodologia aplicada nas fábricas piloto 1 e 3 do projeto Ellipse
Figura 3. Esquema da metodologia aplicada nas fábricas piloto 1 e 3 do projeto Ellipse.

A fábrica piloto 3 será desenvolvida em simultâneo com a fábrica piloto 1 para recuperar nutrientes N e P da fração líquida do digestato proveniente da fermentação acidogénica com o objetivo de produzir biofertilizantes. Serão validadas diversas tecnologias:

  • Tecnologia biológica do sistema híbrido de cultivo autótrofo e heterótrofo de microalgas. Serão selecionadas as melhores condições de funcionamento para maximizar a qualidade e a quantidade dos nutrientes recuperados, bem como a avaliação da água produzida e os requisitos energéticos. Inicialmente, o protótipo funcionará de acordo com os parâmetros selecionados no teste preliminar, ajustando-os à alteração de escala. É importante controlar vários parâmetros como a temperatura, a disponibilidade de luz solar, o pH, a mistura, entre outros, pois podem afetar o desempenho do processo e é necessário promover o crescimento adequado das microalgas.

Isto supõe uma melhoria na reciclagem/recuperação de nutrientes a partir dos resíduos orgânicos mediante a sua assimilação em biomassa algal, com recolha posterior com secagem por atomização de um produto de interesse comercial como os biofertilizantes. Ao fornecer às plantas nutrientes reciclados adquiridos dos fluxos de resíduos orgânicos e ao compensar a utilização de fertilizantes sintéticos, os biofertilizantes de algas cultivadas nestes resíduos reduzirão o impacto ambiental. Devido à sua libertação lenta, as microalgas podem ser utilizadas em cultivos ecológicos, convencionais e de fatores de produção reduzidos com uma frequência de três ou quatro temporadas consecutivas no mesmo campo e podem ser combinadas com composto como suporte.

  • Métodos físicos de tecnologia de membrana de impulsão à pressão (ultrafiltração e osmose inversa) e contatores de membrana, para a recuperação de nutrientes a partir de digestato fermentado através de operações sequenciais que incluem: i) separação do sólido/líquido do digestato com uma prensa de parafuso; ii) eliminação das partículas sólidas da fase líquida mediante uma peneiração fina a menos de 500 μm; iii) ultrafiltração da permeação da peneira vibratória; iv) osmose inversa da permeação da ultrafiltração e v) recuperação do amoníaco como sulfato amónico através do contator de membrana.

Ambos os processos irão requerer operações unitárias sequenciais prévias para eliminar os sólidos em suspensão. Os produtos serão convertidos em pellets que irão ser processados posteriormente para produzir dois tipos de fertilizantes inovadores com cinética sintonizável de libertação de nutrientes, aplicando PHA na formulação de grânulos de fertilizante polinuclear através da composição por extrusão e grânulos de fertilizante de invólucro central mediante revestimento. Estes produtos finais serão submetidos a testes de biodegradabilidade no solo de acordo com a norma ISO 23517:2021.

A fábrica piloto 2 realizará o tratamento e recuperação de resíduos da indústria do papel para produzir revestimentos de bioplásticos para o setor dos cuidados pessoais e a da agricultura.

Figura 4. Esquema da metodologia aplicada na fábrica piloto 2 do projeto Ellipse
Figura 4. Esquema da metodologia aplicada na fábrica piloto 2 do projeto Ellipse.

A demonstração da possibilidade de transformar fluxos complexos de biorresíduos em produtos biodegradáveis e de base biológica de elevado valor em vários setores, acompanhada da validação de vários trajetos de fim de vida para os produtos de base biológica e biodegradáveis conseguidos no âmbito do projeto, proporcionará resultados novos e tangíveis para continuar a fomentar a consciencialização pública e a aceitação de soluções biodegradáveis e de base biológica. Além de tudo isto, durante o projeto Ellipse, a indústria do papel poderá utilizar produtos (papel com revestimento de PHA para embalagens flexíveis como contrapartida do atual papel com revestimento de PE) produzidos a partir dos seus resíduos. É uma excelente amostra para a economia circular e tem o potencial para aumentar a consciencialização e a aceitação das soluções de base biológica.

O projeto Ellipse é financiado pela Circular Bio-based Joint Undertaking (CBE JU), uma associação de 2000 milhões de euros entre a União Europeia e o Consórcio de Indústrias de Base Biológica (BIC) que financia projetos que promovem as bioindústrias circulares competitivas na Europa. O Ellipse é financiado através da convocatória Horizon-JU-CBE-2022-IA-04 e o acordo de subvenção n.º 101112581.

Bibliografia

[1] Presti, D., Cosenza, A., Capri, F. C., Gallo, G., Alduina, R., & Mannina, G. (2021). Influence of volatile solids and pH for the production of volatile fatty acids: Batch fermentation tests using sewage sludge. Bioresource Technology, 342, 125853.

[2] Kim, N.-J., Lim, S.-J., and Chang, H.N., 2018, Volatile Fatty Acid Platform: Concept and Application, in Emerging Areas in Bioengineering, Wiley-VCH Verlag GmbH & Co. KGaA, Weinheim, Germany, p. 173–190.

[3] Naser, A. Z., Deiab, I., & Darras, B. M. (2021). Poly (lactic acid) (PLA) and polyhydroxyalkanoates (PHAs), green alternatives to petroleum-based plastics: A review. RSC advances, 11(28), 17151-17196.

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