Beatriz Sampaio, Catarina Silva, Daniela Costa, Inês Costa, Leonor Calado, Vanessa Oliveira - Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros (PIEP)
21/05/2025A indústria das embalagens é a maior consumidora de plástico, sendo responsável pelo uso de cerca de 39% do total de plástico produzido. Contudo, a dependência de recursos fósseis continua a ser uma preocupação, uma vez que 90,4% dos plásticos ainda têm origem em matérias-primas fósseis. Esta dependência contribuiu para a exploração intensiva de recursos não renováveis e, concomitantemente, para a manutenção dos níveis de emissões de CO₂ [1]. Além do impacto ambiental associado à extração dos combustíveis fósseis, os plásticos convencionais apresentam desafios no fim de vida, uma vez que a sua elevada resistência à degradação pode resultar na acumulação de resíduos plásticos em aterros, oceanos e ecossistemas naturais [2].
Face a estes desafios ambientais, os bioplásticos têm vindo a ganhar destaque como uma alternativa mais sustentável. Estes materiais procuram reduzir a dependência de recursos fósseis e minimizar os impactos ambientais associados à produção e ao fim de vida dos plásticos convencionais [2]. Segundo a European Bioplastics [3], um plástico é considerado bioplástico se for de base biológica, biodegradável ou apresentar ambas as características. Os plásticos de base biológica apresentam vantagens relativamente às versões tradicionais, dado que utilizam biomassa renovável como matéria-prima, contribuindo para a redução da pegada de carbono. Além disso, certos tipos de bioplásticos possuem a capacidade de biodegradação, potenciando a redução da acumulação de resíduos plásticos no ambiente.
Apesar de representarem uma pequena fração do mercado, a produção de bioplásticos está a crescer, com cerca de três milhões de toneladas produzidas em 2023. A inovação contínua tem vindo a melhorar as propriedades e a expandir as aplicações destes materiais, impulsionando o seu crescimento face aos plásticos convencionais.
Apesar do potencial que apresentam, os biopolímeros não estão isentos de desafios, nomeadamente no que diz respeito ao comportamento no fim de vida. Em particular, os bioplásticos biodegradáveis podem, em condições inadequadas, acelerar a fragmentação do material e contribuir para a formação de microplásticos. Neste contexto, torna-se essencial reforçar o estudo da sua reciclabilidade mecânica e das condições reais de biodegradação, promovendo uma gestão responsável destes materiais.
As opções de fim de vida dos bioplásticos podem ser representadas por diferentes rotas de valorização, como ilustrado na Figura 1. Este artigo foca-se em duas delas: a reciclagem mecânica e a biodegradabilidade.
Figura 1. Esquema adaptado do ciclo de fim de vida dos bioplásticos, com destaque para as rotas abordadas no artigo: reciclagem mecânica e biodegradabilidade. Adaptado de European Bioplastics [8].
É neste enquadramento que se destaca a importância da reciclagem mecânica como ferramenta central para manter os bioplásticos em circulação, reduzindo o seu impacto ambiental. Apesar da crescente utilização destes materiais, a informação disponível sobre a sua compatibilidade com os processos de reciclagem existentes ainda é limitada, razão pela qual o PIEP tem vindo a investir no desenvolvimento de conhecimento e metodologias nesta área. A garantia de que os materiais são mantidos em circulação o máximo de tempo possível permite a preservação do seu valor económico. A reciclagem é um componente essencial para atingir este objetivo, bem como para assegurar uma economia circular eficiente, assente num modelo de reciclagem em ciclo fechado – sistema em que o plástico é reutilizado e reciclado repetidamente, sem comprometer a qualidade do material final [4]. A reciclagem mecânica refere-se ao processo de transformação de resíduos plásticos em matérias-primas ou produtos secundários, sem alteração significativa da estrutura polimérica base do material. A recuperação dos plásticos por via mecânica é conseguida através de processos de triagem em instalações especializadas, limpeza e moagem. Posteriormente, o material recuperado é fundido e convertido em pellets, flakes ou pós, para utilização na produção de novos produtos e componentes plásticos. Este processo é aplicável tanto a materiais pós-industriais (pré-consumo), como a resíduos plásticos pós-consumo. Para além da reciclagem direta - como o caso garrafa–garrafa reciclada - existem diversos produtos processados com plástico reciclado, nomeadamente embalagens. Exemplos destes produtos são: sacos do lixo, vasos de flores, calhas, caixas, paletes, embalagens ou tecido de poliéster para vestuário. Dados de 2022 indicam que a reciclagem mecânica pós-consumo e reciclagem mecânica pré-consumo foram responsáveis por 13,2% e 5,4% da produção europeia de plásticos, respetivamente [5], [6]. Em 2022, o conteúdo de plásticos circulares atingiu 13,5% de plásticos convertidos (dos quais 12,6% correspondem a reciclados pós-consumo e 0,9% de plásticos de matéria-prima de base biológica). A Figura 2 apresenta a distribuição da produção e conversão de plásticos na Europa, permitindo compreender melhor a representatividade dos materiais de base circular no sistema atual. Os principais setores responsáveis por esta percentagem foram os da embalagem, da construção e automóvel.
Figura 2. Comparação entre a produção (à esquerda) e a conversão (à direita) de plásticos na Europa em 2022, segundo a origem das matérias-primas (fóssil, reciclada e de base biológica). Adaptado de The Circular Economy for Plastics - A European Analysis 2024, Plastics Europe [6].
Os polímeros de base biológica designados como soluções drop-in, por serem quimicamente idênticos aos seus equivalentes de origem fóssil, mas obtidos a partir de recursos renováveis, podem ser integrados nos fluxos de reciclagem mecânica já existentes. Além desses, existem outros plásticos de base biológica que também podem ser reciclados mecanicamente, como é o caso do PLA (ácido poliláctico) ou PEF (polietileno furanoato).
O processo de extrusão é essencial na reciclagem de resíduos plásticos, desempenhando um papel determinante na mitigação da crise global dos resíduos de plástico. Ao recuperar eficazmente materiais plásticos industriais, este processo não só ajuda a conservar recursos valiosos, como também a reduzir o impacto ambiental. Embora a reciclagem mecânica seja considerada um método eficaz, enfrenta desafios técnicos significativos, nomeadamente a contaminação dos resíduos plásticos, que pode comprometer a qualidade do plástico reciclado. Para superar esse problema, são necessárias tecnologias avançadas de triagem e limpeza, bem como melhorias nas estratégias de design-for-recycling e recolha seletiva de resíduos [7], [8]. Outro dos desafios é a degradação das propriedades do plástico durante o processo de reciclagem. Os ciclos de reprocessamento podem levar a um declínio nas propriedades mecânicas, limitando as suas aplicações. A repetida fusão e moldação podem causar degradação térmica e oxidativa, resultando em menor resistência, elasticidade e transparência do material. Estes fenómenos podem ser reduzidos através da inclusão de estabilizadores térmicos, protetores de radiação UV, aditivos auxiliares de processamento, extensores de cadeia, compatibilizadores antioxidantes ou cargas de reforço. A inclusão de aditivos e seleção correta de técnicas de transformação são essenciais para enfrentar este desafio e melhorar a qualidade do plástico reciclado [9].
Avanços na validação e demonstração de provas de conceito em ambiente laboratorial e pré-industrial mostram que os processos e tecnologias de reciclagem mecânica aplicados a bioplásticos têm potencial para serem escalados industrialmente. Um desses exemplos é o projeto europeu 'Vital', que conta com a participação do PIEP no desenvolvimento de soluções industriais para a reciclagem mecânica de biopolímeros, com foco no PLA, um dos principais materiais de base biológica em estudo. O projeto integra tecnologias avançadas de triagem, formulações otimizadas e modelos digitais - como o software Ludovic - para prever o comportamento dos materiais durante o reprocessamento. Esta abordagem visa criar processos mais eficientes e robustos, contribuindo para a implementação da reciclagem mecânica em circuito fechado como estratégia essencial na valorização de materiais de base biológica e na gestão sustentável do plástico.
Como referido, os plásticos biodegradáveis surgem, em conjunto com os plásticos de base biológica, como uma possível solução para mitigar o impacto ambiental associado ao fim de vida dos plásticos convencionais.
É importante, no entanto, compreender que os plásticos biodegradáveis não constituem uma solução automática ou universal. Tal como referido pela UNEP (United Nations Environment Programme), os plásticos rotulados como 'biodegradáveis' não resolvem, por si só, o problema da poluição por plásticos, uma vez que a sua decomposição está diretamente dependente das condições do ambiente onde são descartados.
A biodegradação pode ser definida como o processo de decomposição de um componente orgânico por ação de microrganismos, como bactérias, fungos e algas. Este processo resulta na formação de dióxido de carbono, água, sais minerais e nova biomassa (em condições aeróbias) ou na formação de dióxido de carbono, metano, sais minerais e nova biomassa (em condições anaeróbias). Assim, a eficácia da biodegradação depende de um conjunto de condições ambientais específicas que afetam diretamente a atividade dos microrganismos responsáveis pelo processo. Fatores como a temperatura, a disponibilidade de oxigénio, a humidade, o pH e a presença de populações microbianas adaptadas são determinantes para assegurar uma degradação eficiente e completa dos plásticos biodegradáveis.
Neste contexto, torna-se evidente que a rotulagem adequada dos plásticos biodegradáveis desempenha um papel crucial. A indicação clara das condições específicas em que a biodegradação ocorre - como, por exemplo, compostagem industrial versus compostagem doméstica - é fundamental para que os utilizadores e os sistemas de gestão de resíduos encaminhem corretamente estes materiais. Na ausência desta informação, existe o risco de que plásticos rotulados como 'biodegradáveis' sejam descartados em ambientes inadequados, como o solo, o mar ou aterros, onde a degradação não ocorre de forma eficaz, resultando numa persistência ambiental semelhante à dos plásticos convencionais.
A maioria dos plásticos biodegradáveis requer temperaturas elevadas (>50 °C), humidade constante e disponibilidade de oxigénio para se decompor de forma eficaz, condições que raramente se verificam fora de instalações de compostagem industrial. Este facto gera frequentemente confusão entre os conceitos de compostabilidade e biodegradabilidade. Todos os plásticos classificados como compostáveis são biodegradáveis, uma vez que se decompõem num determinado período de tempo sob condições específicas (inferior a 180 dias a 58 °C em compostagem industrial, ou inferior a 365 dias a cerca de 25 °C em compostagem doméstica), produzindo composto orgânico (adubo) sem toxicidade. No entanto, nem todos os plásticos biodegradáveis são compostáveis, pois podem necessitar de períodos mais longos para se degradar ou decompor-se apenas em ambientes aquáticos, como água doce ou marinha.
Existe assim uma grande variedade de normas que permitem avaliar a biodegradabilidade dos plásticos em função do ambiente onde são descartados. Exemplos incluem a ISO 14855 para compostagem industrial, a EN 17427 para compostagem doméstica, a ASTM D6691 para ambiente marítimo e a ISO 17556 para solos. Para que um plástico seja certificado como compostável, deve cumprir normas específicas, como a EN 13432 (aplicável a embalagens na Europa), a EN 14995 (para plásticos que não sejam embalagens), a ISO 17088 ou a ASTM D6400 (nos EUA). Estas normas avaliam quatro critérios principais: composição química, biodegradabilidade, capacidade de desintegração e efeitos de ecotoxicidade. Atualmente, o PIEP encontra-se a implementar o estudo da biodegradabilidade segundo a norma ISO 14855-2, de forma a responder às necessidades atuais da sociedade e do mercado.
Caso não sejam corretamente tratados, os plásticos biodegradáveis podem apresentar um impacto ambiental semelhante ao dos plásticos convencionais [10].
A rotulagem adequada dos produtos biodegradáveis é essencial para informar corretamente sobre as condições ideais de degradação e evitar falsas perceções ambientais, contribuindo para uma gestão mais eficaz do seu fim de vida. Embora representem uma solução promissora, os plásticos biodegradáveis devem ser integrados em sistemas de gestão de resíduos bem definidos, que assegurem a sua degradação eficiente e ambientalmente responsável.
O PIEP, através da participação no projeto ‘Vital’ e do desenvolvimento de estudos próprios sobre diferentes biopolímeros, posiciona-se como um agente ativo na inovação em materiais sustentáveis. A sua atuação foca-se tanto na otimização dos processos de reprocessamento de biopolímeros, como na implementação de metodologias robustas para a avaliação da biodegradabilidade em condições controladas.
A construção de soluções mais sustentáveis para os plásticos exige uma abordagem integrada ao longo de toda a cadeia de valor, desde a escolha dos materiais até ao fim de vida. Neste percurso, o PIEP assume um papel ativo, trabalhando em estreita colaboração com a indústria, a academia, os consumidores e a comunidade, promovendo não só a inovação e o conhecimento técnico, mas também a sensibilização para uma gestão mais consciente dos recursos.
Referências
[1] ‘Plastics – the fast Facts 2024 • Plastics Europe’. Accessed: Apr. 29, 2025. [Online]. Available: https://plasticseurope.org/knowledge-hub/plastics-the-fast-facts-2024/
[2] M. Islam, T. Xayachak, N. Haque, D. Lau, M. Bhuiyan, and B. K. Pramanik, ‘Impact of bioplastics on environment from its production to end-of-life’, Process Safety and Environmental Protection, vol. 188, pp. 151–166, Aug. 2024, doi: 10.1016/J.PSEP.2024.05.113.
[3] ‘Bioplastics – European Bioplastics e.V.’ Accessed: Apr. 29, 2025. [Online]. Available: https://www.european-bioplastics.org/bioplastics/
[4] The Royal Society of Chemistry, ‘The-future-of-recycling’. Accessed: Apr. 29, 2025. [Online]. Available: https://www.rsc.org/globalassets/22-new-perspectives/sustainability/progressive-plastics/explainers/rsc-explainer-4—-the-future-of-recycling.pdf
[5] The Royal Society of Chemistry, ‘Mechanical-recycling’, Accessed: Apr. 29, 2025. [Online]. Available: https://www.rsc.org/globalassets/22-new-perspectives/sustainability/progressive-plastics/explainers/rsc-explainer-5—-mechanical-recycling.pdf
[6] ‘The Circular Economy for Plastics – A European Analysis 2024 • Plastics Europe’. Accessed: Apr. 29, 2025. [Online]. Available: https://plasticseurope.org/knowledge-hub/the-circular-economy-for-plastics-a-european-analysis-2024/
[7] European Bioplastics, ‘Biodegradables and material recycling-a paradox?’, 2025. Accessed: Apr. 30, 2025. [Online]. Available: https://docs.european-bioplastics.org/publications/pp/2025/EUBP_PP_Biodegradables_Sorting_Material_recycling
[8] European Bioplastics, ‘End-of-life options for bioplastic products’, European Bioplastics. Accessed: Apr. 30, 2025. [Online]. Available: https://docs.european-bioplastics.org/publications/pp/EUBP_PP_EOL_options_for_bioplastic_products.pdf
[9] A. Lamtai, S. Elkoun, M. Robert, F. Mighri, and C. Diez, ‘Mechanical Recycling of Thermoplastics: A Review of Key Issues’, Waste 2023, Vol. 1, Pages 860-883, vol. 1, no. 4, pp. 860–883, Oct. 2023, doi: 10.3390/WASTE1040050.
[10] ‘ISO 17088:2021 - Plastics — Organic recycling — Specifications for compostable plastics’. Accessed: Apr. 30, 2025. [Online]. Available: https://www.iso.org/standard/74994.html
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